A palavra que ajuda…
Às vezes consigo navegar para os mais diversos lugares e recortar lembranças, pausadamente ou acelerando algumas partes que de alguma forma não quero duplicar dentro de mim. Assim crio meu próprio teletransporte e entro nele numa viagem que sempre me leva ao passado, como se o equipamento ainda não pudesse alcançar tal tecnologia que ofereça a opção para o futuro.
Meu teletransporte é ativado em muitas situações e entro numa espécie de transe que me leva às mais lindas ou duras memórias. Esta semana, estive navegando para o ano de 2012 e o início do meu tratamento de quimioterapia. Me vejo sentando numa poltrona preta um pouco gasta e procuro uma posição confortável. Sei que estarei ali algumas horas e pelo que tinham me dito a medicação começa a agir assim que entra na minha veia, que agora estão puncionando.
O remédio avermelhado que tem um longo nome, é rápido em encontrar o caminho até meu organismo e me sinto como uma feiticeira tentando mexer o nariz, já que ele tinha começado a coçar como um formigamento em sua ponta. Olho para o lado e minha vizinha é uma moça jovem, sentada numa poltrona igual a minha, que não para de me olhar. Noto que além do câncer ela também tinha Síndrome de Down. Usava um gorro de lã azul para aquecer a carequinha e sorria placidamente enquanto me encarava.
Foi então que sorri de volta e ela sem perder tempo me disse: Nossa, tão linda. Cabelos tão bonitos…mas vai cair tudo, que pena!
Fiquei com uma vontade de rir muito grande e lembrei do fato que o médico havia me avisado. Em poucos dias também estaria careca. Ficaria triste com o comentário se não tivesse vindo dela. Se fosse qualquer outra pessoa aquilo teria me atingido como um punhal. Não porque não soubesse que os fios iam embora em no máximo 2 semanas, mas porque as palavras erradas em horas erradas têm um poder brutal.
A minha colega de cadeira tinha licença poética de dizer o que quisesse, pois jamais poderia sair dela mal algum. Pois como providência divina as palavras dela foram macias em minha alma, assim como qualquer outra que ela ousasse dizer.
Mas quando sou trazida de volta ao presente, e saio desta lembrança, percebo que ultimamente as palavras não são medidas, num contexto imediatista onde parece que o ato de “pensar antes de falar” é perda de tempo. Uma falta de responsabilidade em observar o nosso ouvinte e não ter minimamente senso em perceber a fragilidade no outro e de como qualquer opinião externada, sem qualquer refino, polidez ou mera consideração e empatia, pode gerar um estrago no curso de vida de outro ser humano.
Digo isto como receptora de inúmeros desatinos e como alguém que a cada instante procura se observar e perceber se também não está fazendo o mesmo. Pois deste lado também não há ninguém perfeito.
Sejamos solidários e sim, procuremos ajudar, mas com limites que são percebidos quando doamos um pouco do nosso tempo para de fato entender o que o outro está passando e como podemos colaborar na sua caminhada e não atrasa-la.
2 Comentários
Roseli Angélica Berté Marcus
Extasiada com o texto! Foi na veia!!! Cada palavra ainda percorre meu corpo, lota cada canto e preenche o coração de forma sublime! Linda, definitivamente, tu és linda! Deus te abençoe! Abraço mega carinhoso. 🤗😘
Roseli Angélica Berté Marcus
Linda Rojas
Nossa Roseli e eu escrevo justamente assim, com o corpo sentindo tudo isso, as veias pulsando e o coração palpitando. Faço de verdade!