Uma carta para o câncer…
Oi! Nem sei se gostaria de te dizer “oi”.
Se você fosse alguém, de repente seria aquele tipo de pessoa a qual eu viro o rosto quando vejo. E olha que eu não sou de fazer esse tipo de coisa.
Não sei ao certo a melhor maneira de começar isto, quem sabe com um aceno de cabeça bem curto, para você entender definitivamente que não vou com a sua cara ou melhor, uma levantada de sobrancelhas que provoca menos movimento ainda no meu corpo. Na verdade, sinto que nem isso deveria te oferecer, mas como sou educada e extremamente sincera, vou te falar um par de coisas.
Nunca fui a pessoa mais feliz do mundo, ao contrário, já sofri demais e tive que amadurecer antes do que deveria por uma série de eventos e falta de estrutura familiar que nenhuma criança deveria passar. Mas eu passei, assim como milhares de jovens ainda passam.
Antes, a coisa que mais me causava dor era pensar nas injustiças, todas elas. As comigo ou as feitas a qualquer desconhecido. Não gosto de injustiças.
Mas o que vivi com você foram profundezas de sofrimento, foram lágrimas e pedidos de socorro desesperados que ainda posso reviver quando fecho os olhos. Que ainda posso sentir quando minha mente me faz viajar a um passado não tão distante.
Era como se a sua presença ou a sua passagem pelo meu corpo fossem como um relâmpago fugaz de escuridão. Uma mistura de Voldemort com Dementadores, que eu combati com o melhor de mim e o melhor dos outros. Com o melhor do mundo e da vida. Eu te combati justamente com o que você queria me tirar.
Ia sendo recarregada como uma arma em combate, de forma quase natural, como se tivesse sido treinada para fazer aquilo. Porém não tinha sido. Ninguém nunca foi.
Respirar, viver, respirar, viver, respirar, viver… VIVER!
As pessoas se esquecem de viver, não é mesmo? Você sabe muito bem disso e trata de que elas esqueçam mais e mais e da pior maneira possível. Mas o que tem acontecido, também, cada vez mais e mais é a descoberta da vida que negligenciávamos e sucumbíamos. Não graças a você, é claro.
Graças àquilo que nos ajuda a te enfraquecer.
O tratamento, a quimioterapia e o amor.
Devo aos médicos, cientistas, à medicina e a Deus a maior imersão da minha vida. Foram esses fatores que me fazem respirar e viver com uma nota de agradecimento em cada ar que entra em meus pulmões e me fazem sentir no corpo todo a dádiva de estar viva.
Todos os dias me sinto viva e repito em alto e bom som: NÃO GRAÇAS A VOCÊ.
Então saia do meu caminho que preciso passar, hun!