Pai
As antigas definições de família não dão conta da diversidade contemporânea. Os conceitos mudaram e eu, como muitos, tenho pais separados desde os 8 anos.
Até essa idade meu pai sempre foi muito presente, constante e mantendo a figura de homem da casa que nos enchia de mimos, amor e sustento. Quando tudo mudou, minha mãe nos levou (meu irmão e eu), para o Chile, onde estava a maior parte de sua família e onde seríamos acolhidos e minha mãe amparada.
O contato com meu pai passou a acontecer de forma mais espaçada e geralmente via telefone. O reencontro aconteceu bem
depois e, finalmente há quinze anos, quando viemos morar no Rio de Janeiro, pudemos estar mais próximos e hoje moramos pertinho.
Sei que nesses casos muitos prefeririam que seus pais nunca tivessem se separados e que num mundo ideal gostariam de ter a família perfeita. Claro, se pudesse, eliminaria todo o processo de sofrimento que passamos, inclusive o dele. Mas acredito que o amor foi construído muito antes, quando eu crescia dentro da barriga da minha mãe e ele já fazia tudo por mim. Esse laço invisível, mas sólido, chamado AMOR, ultrapassa mágoas, distância e outra imperfeição qualquer. Na verdade, entendo que todos somos diferentes e aconteça o que for e independente do tipo de manifestação desse sentimento eu sempre vou ser sua “chica”. Ele me chama assim desde pequena, significa garota em espanhol.
Lembro que em uma de nossas conversas ele com os olhos amarelados, cansados e um pouco marejados, me perguntou atônito: mi chica, você vai ficar carequinha? De repente sua alma ficou tão transparente que pude ver seu coração em pedaços e sei que naquele momento implorava para que aquele tumor tivesse vindo nele e não em mim. Sabemos que isso não solucionaria nada, mas aquela laço… o amor, o sangue mostravam que faria qualquer coisa que estivesse ao seu alcance para que aquilo não estivesse acontecendo comigo.
Quando comecei o tratamento ele praticamente se mudou para o sofá da casa. Seus horários eram mais flexíveis e enquanto minha mãe trabalhava ele cuidava de mim. Os dias seguintes da quimioterapia eram os de maior mal estar. Comia muito pouco, pois tudo me causava enjoo e dormia a maior parte do tempo. Lá pelo quarto dia já começava a comer mais, geralmente maçã ralada e água de coco caiam melhor. De vez em quando acordava com algum desejo especial e, por conta disso, a geladeira sempre ficava abastecida com os mais diversos alimentos.
Lembro que estava sozinha no quarto e chamei para que meu pai viesse. Expliquei que estava com muita vontade de tomar sopa. Avisou-me rapidamente que não tinha naquele momento e me ofereceu uns tantos outros pratos que estavam prontos, mas somente dele mencionar já me davam náuseas. Disse para não me preocupar que ligaria para minha mãe para receber algumas instruções e ele mesmo faria a sopa. Esse momento ficou marcado para mim, porque sei que no fundo ficou desesperado. Meu pai não sabe cozinhar um macarrão, imagina fazer uma sopa.
No final das contas acabou comprando um caldo pronto e eu me deleitei. Saber que podia contar com meu pai me fazia sentir melhor. Que neste texto fique explícito o quanto o amo e que ele saiba que percebo o seu carinho nos pequenos gestos. ☺
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